“Há algo de podre no reino da Dinamarca”, já preconizava Shakespeare em plena Idade Moderna em uma de suas mais conhecidas obras, Hamlet. Antecipava no tempo o que parece ser tão corriqueiro nos dias de hoje e apenas constatava a existência daquilo que o pensador realista italiano, Nicolau Maquiavel escancarava aos ventos em suas obras, como “O Príncipe”. A maldade e a corrupção parecem inerentes aos seres humanos – ainda que a dissimulação e o teatro criado por homens e mulheres seja, muitas vezes, tão convincente – tanto o bardo inglês quanto o filósofo político italiano falam através de suas obras daquilo que não gostamos de inferir, crer, visualizar, verbalizar quanto aos seres humanos…
Somos lobos dos homens, conforme pensava Hobbes, conterrâneo de Shakespeare e filósofo como Maquiavel. Será, porém, que este destino é irrevogável? Estamos realmente fadados a esta sina? Pelos escândalos políticos que vemos mundo afora, parece que sim… Pessoalmente procuro acreditar que esta não é a trajetória real da humanidade e que, há homens e mulheres que buscam o caminho da dignidade, da transparência, do diálogo, do entendimento, da justiça social, da ética…
O cinema nos traz, felizmente, tanto histórias que despertam nosso olhar para a cobiça, a ambição desenfreada, a sociedade corrompida e a corrupção reinante quanto para a desmedida bondade, honestidade de princípios, ética pessoal e profissional…
Syriana, filme do diretor Stephen Gaghan, no mínimo nos dá o direito a dupla interpretação, ao nos colocar no olho do furação contemporâneo, a luta pela posse, direitos de exploração e toda a lucratividade existente no ouro negro, o petróleo.
Primeiramente por nos fazer entender como a roda da fortuna é acionada… Quem são os principais participantes, como o sórdido esquema de negociações é encaminhado, o custo irrisório da vida humana, o trabalho em condições pouco apropriadas e hostis, a fortuna que alimenta faustosos banquetes e festas, os bastidores políticos…
Ou seja, por este viés, entramos na toca dos lobos (conforme Hobbes), percebemos o lado podre dos reinos em questão (para lembrar Shakespeare) e entendemos porque e como “O Príncipe” (do italiano Nicolau Maquiavel) é ainda livro de cabeceira de tantos ilustres poderosos…
Num segundo momento, podemos interpretar que a obra em questão, o filme “Syriana”, é importante libelo a nos abrir os olhos e permitir perceber e agir quanto a forma como o mundo e os negócios são geridos. Neste caso abrindo nossos olhos ao modo corrupto e sem qualquer consideração quanto a questões que dizem respeito a todos.
Permitindo-nos ver como a população dos países onde estes combustíveis fósseis é explorada, sem levar em conta questões ambientais importantíssimas, desprezando a legalidade estabelecida para gerir as relações entre os homens, considerando a vida humana sem valor e, por isso mesma, desperdiçando-a ou ceifando-a de acordo com os interesses e valores (monetários) em questão…
Só por estes dois ângulos (e há vários outros que poderiam certamente ser explorados ou percebidos) já seria valioso assistir “Syriana”. Pode-se ainda destacar sua originalidade, recorte e andamento cinematográfico, a presença e atuação destacada dos astros George Clooney (desglamourizado, vários quilos acima do normal, abatido… em interpretação memorável) e Matt Damon…
Preciso dizer mais? Não, é claro. É um thriller político de alto teor explosivo que, certamente, é Cinema de Primeira. Não percam!
Por João Luís de Almeida Machado
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