Chega de Saudade (Brasil, 2008)



"Só tem duas coisas pra uma dama não ser chamada pra dançar: Não saber dançar e mal hálito", diz um personagem de "Chega de Saudade", produção da diretora Laís Bodansky, que entre outros filmes realizou também "Bicho de Sete Cabeças". Esta frase elucida os caminhos do filme e orienta os olhares de todos aqueles que acompanham os passos, literalmente, dos personagens que bailam ao longo dos 92 minutos do filme.

Ao primeiro olhar, muitas pessoas podem desdenhar o filme, totalmente ambientado num clube noturno que, regularmente, recebe público cativo de pessoas em busca dos prazeres da dança, quase todos homens e mulheres de meia idade para cima. Não se iludam, é muito mais do que isso, pode-se até pensar em um pequeno tesouro sociológico a nos dar, a partir de um recorte bastante peculiar e muito específico, um universo que muitos crêem estar aos poucos fadado a extinção, em tempos de tanto afã tecnológico, redes sociais, amizades e amores pela web...

O bailado é como uma religião que atrai todo aquele público, com elenco formado por nomes de peso como Leonardo Villar, Tônia Carrero, Betty Faria, Cássia Kiss, Paulo Vilhena, Maria Flor, Stepan Nercessian e até Elza Soares, como cantora da banda que anima o arrasta-pé... Todos se conhecem e sabem das vidas alheias a partir do rosto colado que se instala entre tangos, valsas, sambas, rocks e músicas de todos os gêneros.

A dança não é só central de comunicação entre todos, é também local onde se sentem mais jovens, voltando no tempo, retomando seus prazeres e suas paixões, cometendo suas infidelidades e pequenos pecados, alimentando sonhos de superação da idade que chega e da solidão que se estabelece entre as paredes de seus lares, quando estão a sós com os seus fantasmas...

O contraponto das tristezas são os corpos valsando e não a melancolia daqueles que apenas a tudo vislumbram das mesas, bebericando uma cerveja ou whisky... E há, também, é claro, o choque de gerações, protagonizado pelos personagens de Paulinho Vilhena e Stepan Nercessian, o jovem que é velho de alma e desprovido de sonhos e o veterano que se mantém aceso e vivo tanto nos desejos quanto na forma como vê e vive o mundo.

O pivô deste choque, é claro, é um rabo de saia, como não poderia deixar de ser em se tratando de bailes de salão, no caso, a sempre competente e simpática personagem de Maria Flor, jovem namorada do garoto do som que percebe a beleza que há por trás daquilo que pensava enfadonho e chato, o baile onde por acaso foi parar... Perceber a graça do encontro de corpos movido pelas letras e melodias que embalam os casais e, ir além disso, entendendo o romantismo que há na vida daquelas pessoas foi o legado que recebeu por ali estar...

Belo, terno, tenso as vezes, todo passado num salão de baile (único ambiente de 99% do filme), regido por trilha sonora que delicia os ouvidos e acompanha a trama, dando mostras e possibilidades de leitura daquilo que está por vir, "Chega de Saudade" é mais um belíssimo trabalho de Laís e, certamente, outro filme que entra para a antologia do cinema brasileiro.

Por João Luís de Almeida Machado

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